sexta-feira, 19 abril, 2024 06:39

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Entrevista com Fernanda Hottle

Viver Magazine – Em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-la pelo prêmio “Top 40 Under 40” (“Os 40 Melhores Abaixo de 40”) que você merecidamente recebeu do grupo The National Advocates. E aproveito a oportunidade para dizer que estamos muito orgulhosos de você, tanto pela premiação, quanto por todo o seu trabalho e atenção com a comunidade brasileira (a sua comunidade). Por isto a nossa primeira pergunta é com base neste critério. Foi uma decisão acertada a de deixar um escritório onde você trabalhava junto a outros advogados renomados que, de certa forma, lhe ofereciam maior estabilidade e uma carga de responsabilidades relativamente menor?

Fernanda Hottle – Muito obrigada! Com certeza, foi uma das melhores decisões que já tomei. Abrir o seu próprio negócio não é fácil, especialmente quando você já desfruta de uma certa estabilidade profissional, como você mencionou. Como empregada, eu tinha um salário fixo todo mês, e no momento que eu saía do escritório ao fim do dia eu me desligava das responsabilidades de trabalho. Como autônoma e dona do meu próprio escritório, por outro lado, as responsabilidades estão sempre na minha mente, independentemente do horário ou dia da semana. Você se preocupa com os clientes que confiam e dependem exclusivamente de você, e se você irá receber o suficiente para pagar as contas no fim do mês. Mas os resultados foram muito além das expectativas, e sou muito agradecida por todos os frutos que tenho colhido por ter tido a coragem de seguir o meu próprio caminho profissionalmente falando.

V. – Quais os critérios analisados para esta premiação e como você recebeu esta notícia, foi uma surpresa para você?

F. – Você nem pode imaginar a surpresa. Eu recebi uma carta do The National Advocates um dia, sem mais nem menos, me informando sobre a premiação. The National Advocates é uma organização profissional composta de advogados renomados nos Estados Unidos que praticam em certas áreas de especialização. Os advogados que fazem parte desse grupo de elite são convidados, e esse convite é baseado em um cuidadoso processo de triagem envolvendo, entre outras coisas, a reputação que o advogado possui entre os seus colegas de profissão, o judiciário e o público; nomeação por parte de outros profissionais; e a participação em Conselhos profissionais. O processo de seleção é feito em várias fases que o candidato precisa avançar até alcançar o ponto de ser convidado. Atualmente, eu tenho a honra de ser a única advogada na Geórgia a receber o prêmio na área de imigração.

V. – Fernanda, sabemos que você está aqui há muitos anos e que, há pouco tempo atrás, não tinha muito contato com os brasileiros, não por opção, mas por estar trabalhando e convivendo em um ambiente totalmente americano. Quando e por que a comunidade brasileira chamou a sua atenção e despertou em você a vontade de trabalhar com ela?

F. – Ao perceber que a nossa comunidade não possuía à sua disposição nenhum advogado que falasse o seu idioma e que tivesse o interesse genuíno de ajudá-la. Todos os advogados licenciados na área de imigração no estado da Geórgia são de origem americana ou hispânica, e a comunicação feita com a comunidade brasileira ocorria através de tradutores. Os brasileiros que se apresentavam como profissionais diante da comunidade na verdade não eram advogados licenciados nos Estados Unidos, e não só estavam agindo contra a lei ao se apresentarem à comunidade como se fossem advogados licenciados, como na maioria das vezes estavam oferecendo conselhos errados. Infelizmente, essas pessoas ainda estão por aí prejudicando a comunidade, e é uma luta diária tentar mostrar aos brasileiros a importância de lidar com profissionais licenciados e autorizados a oferecer conselhos jurídicos.

V. – Você sabia da existência de mais de 30.000 brasileiros vivendo tão perto de você ou você não fazia ideia deste número tão grande?

F. – Eu não fazia ideia do número exato mas sabia que era uma quantidade grande. E ela continua a aumentar com a vinda de tantos brasileiros para cá, especialmente considerando a situação econômica e política que o Brasil está enfrentando atualmente. Essas pessoas que estão chegando precisam ser informadas de forma correta com relação às leis americanas, o que faz o meu papel como representante do nosso país ainda mais importante.

V. – Qual a maior dificuldade e/ou desafios que você encontrou ao trabalhar com a nossa comunidade?

F. – O maior desafio continua sendo o de conscientizar a nossa comunidade da importância de buscar a ajuda de profissionais licenciados. O fato de alguém saber preencher um formulário de imigração ou de ter algum conhecimento de determinados processos não torna aquela pessoa um profissional da área. O fato de algumas pessoas terem sido ajudadas dessa forma não quer dizer que esse indivíduo seja capacitado e autorizado para oferecer serviços jurídicos. Na verdade, já perdi as contas do número de brasileiros que se consultaram comigo após terem contratado os serviços desses “profissionais” e de terem os seus processos completamente destruídos pela incompetência dessas pessoas.

V. – Você poderia ter escolhido qualquer outra área dentro da advocacia, mas optou em se especializar em Imigração. Quais pontos pesaram mais nesta escolha?

F. – Com imigração foi amor à primeira vista. Eu vi a possibilidade de ajudar as pessoas a alcançarem o sonho americano, de se estabelecerem aqui com a sua família e serem aceitos como parte da sociedade. Eu fui tão abençoada por este país, que o mínimo que poderia fazer era ajudar outros imigrantes como eu a realizarem os seus sonhos de terem uma vida digna, sem a preocupação de estarem aqui irregularmente. Obviamente, nem todas as pessoas são legalmente passíveis de ajuda, mas eu sinto uma enorme alegria de estar fazendo a diferença na vida daquelas pessoas que confiam no meu trabalho.

V. – Diante de tudo o que você tem visto e vivido, você acha que os brasileiros estão enfim mais conscientes com relação aos riscos e problemas de virem para os Estados Unidos aventurando-se em uma vida como imigrante ilegal?

F. – Acredito que sim. Os imigrantes atualmente já têm mais noção das dificuldades de se manter legal no país. Ainda há muito a ser feito no que diz respeito a essa conscientização, mas penso que as pessoas hoje estão mais interessadas em se informar e buscar os meios corretos para a legalização.

V. – Que papel você acha que o seu programa de rádio, “Momento do Imigrante”, tem tido em ajudar as pessoas?

F. – O programa tem sido uma grande ferramenta para a informação da comunidade. Quando eu fui abordada pelo Pr. Saulo a respeito do programa, achei a ideia fantástica e imediatamente vi uma chance de alcançar a milhares de pessoas, dentro e fora do país, e divulgar informações que, de outra maneira, a comunidade provavelmente não teria acesso. A minha parceria com a Rádio MSBN me está ajudando a manter a comunidade informada no que diz respeito às leis de imigração e a dar às pessoas a oportunidade de se aproximarem de um profissional licenciado para direcionar suas perguntas.

V. – Como você descreve a comunidade brasileira da Geórgia nos dias de hoje? Você acha que ainda há muitos brasileiros que estão aqui com planos de voltar para o Brasil, ou a maioria deles (os que permaneceram e sobreviveram às crises econômicas e pressões imigratórias) estão em busca de uma legalização com planos de se estabelecerem nos Estados Unidos?

F. – Penso que a maioria tem planos de permanência. Infelizmente, o Brasil já não está mais tão atraente como antigamente, e as pessoas que conseguem sair de lá não têm planos de retorno. O Brasil continua no coração das pessoas, mas a realidade de vida está forçando as pessoas a buscarem uma vida estável em outros países.

V. – Fernanda Hottle é conhecida nos dias de hoje como “A advogada brasileira da nossa comunidade”, e este título foi conquistado em muito pouco tempo, apenas 5 anos. O sucesso e a credibilidade são consequências de um trabalho feito com entusiasmo e retidão, o que nos faz facilmente prever nos próximos anos um aumento significante de clientes para o seu escritório. Você esperava tanto sucesso em tão pouco tempo? Você está pronta para novos desafios?

F. – Às vezes, ainda penso que vou acordar de um sonho. Definitivamente, não esperava que tudo fosse acontecer tão rápido, e só tenho a agradecer por ter sido abraçada pela comunidade com tanto carinho. Mas acredito que tudo isso tenha sido o resultado do respeito que tenho pela profissão e pelos meus clientes, e por ter em mente que estou lidando com a vida das pessoas. Não foi fácil chegar onde cheguei; tudo foi resultado de muito estudo e trabalho árduo, sem cortar caminho. E o tratamento dado às pessoas que fazem contato comigo é essencial; elas se sentem ouvidas e respeitadas; elas não são simplesmente largadas nas mãos de uma assistente, como acontece em muitos escritórios. É preciso respeitar para ser respeitado. Desafios sempre virão, e estarei sempre aberta a acolhê-los, até porque são os desafios que nos ajudam a crescer e nos mantêm em sintonia com a realidade.