quinta-feira, 18 abril, 2024 20:56

MATÉRIA

Como impedir que máscaras descartadas poluam o planeta

O equipamento de proteção individual é feito de plástico não reciclável. Atualmente, as máscaras são encontradas em todos os cantos da Terra, inclusive nos oceanos. A solução não é complicada: jogá-las fora.

Você sai para fazer sua caminhada diária e avista uma máscara jogada no chão. Poucas pessoas querem tocar em algo que protegeu a respiração possivelmente carregada de vírus de alguém. Então ela fica no chão até ser levada pelo vento — e esse problema simples está mudando rapidamente a paisagem em todo o mundo, desde estacionamentos de supermercados a praias em ilhas desertas.

Vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde para combater a covid-19. Por outro lado, é frustrante que o lixo em tempos de pandemia ainda esteja sem solução.

Um ano atrás, a ideia de que máscaras, luvas e lenços umedecidos descartáveis poderiam vir a ser poluentes ambientais globais não era uma preocupação prioritária. Esse equipamento de proteção individual, abreviado como EPI, foi considerado essencial para prevenir a propagação da covid-19. Ninguém imaginava a quantidade de máscaras que seriam necessárias nem que as utilizaríamos por tanto tempo. Desse modo, a produção disparou — e agora o lixo é inevitável.

Desde então, cientistas publicaram mais de 40 estudos que documentam o uso e o descarte de EPI e apresentam um panorama em escala global. Números que eram desconhecidos na época contam esta história agora.

Globalmente, 65 bilhões de luvas são utilizadas todos os meses. A quantidade de máscaras é quase o dobro — 129 bilhões por mês. Isso se traduz em três milhões de máscaras usadas por minuto.

Um estudo separado relata que 3,4 bilhões de máscaras ou protetores faciais do tipo face shield são descartados todos os dias. Estima-se que a Ásia jogue fora 1,8 bilhão de máscaras por dia, representando o continente com a maior quantidade. A China, com a maior população do mundo (1,4 bilhão), descarta quase 702 milhões de máscaras diariamente.

Todos esses produtos podem ser considerados descartáveis porque são baratos o suficiente para serem utilizados apenas uma vez e depois jogados fora. Mas eis o problema: não é possível realmente jogá-los fora.

Plástico disfarçado

Máscaras, luvas e lenços umedecidos são feitos de múltiplas fibras plásticas, principalmente polipropileno, que permanecerão no meio ambiente por décadas, talvez séculos, fragmentando-se em microplásticos e nanoplásticos cada vez menores. Uma única máscara pode liberar até 173 mil microfibras por dia nos mares, de acordo com um estudo publicado no periódico Environmental Advances.

“Eles não desaparecem”, afirma Nicholas Mallos, supervisor do programa de resíduos marinhos da Ocean Conservancy.

Máscaras e luvas sujas jogadas no chão são transportadas pelo vento aos rios e riachos, que as levam para os mares. Cientistas registraram sua presença em praias da América do Sul, desembocaduras de rios na Baía de Jacarta, em Bangladesh, na costa do Quênia e na região desabitada das Ilhas Soko, em Hong Kong. O EPI descartado entupiu os esgotos de Nova York a Nairóbi e obstruiu o maquinário do sistema de esgoto municipal em Vancouver, na Colúmbia Britânica.

Esses materiais também afetam os animais. Nos Países Baixos, observou-se o galeirão-comum, um pássaro de 30 centímetros de altura e rosto branco, inovando com o uso de máscaras para construir ninhos — supondo-se que suas patas grandes e desajeitadas não fiquem presas nas alças da máscara. Isso aconteceu, às vezes com desfechos fatais, com cisnes, gaivotas, falcões-peregrinos e pássaros-canoros, segundo um estudo publicado na revista científica Animal Biology.

Máscaras, luvas e lenços umedecidos não são recicláveis na maioria dos sistemas municipais e não devem ser colocados em lixeiras domésticas destinadas à reciclagem. As máscaras podem conter uma mistura de papel e polímeros, incluindo polipropileno e poliéster, que não podem ser separados em fluxos puros de materiais individuais para reciclagem. Além disso, por serem tão pequenos, ficam presos em máquinas de reciclagem, causando avarias. (O EPI utilizado em instalações médicas é descartado como resíduo médico perigoso.)

Joana Prata, pesquisadora de saúde ambiental da Universidade do Porto, em Portugal, e principal autora de um estudo sobre as repercussões que a pandemia acarretou nos plásticos, indicou que os cidadãos precisam de informações claras sobre a utilização e descarte de EPI. “Isso inclui o descarte adequado como resíduo misto em sacos fechados à prova de vazamento”, escreveu ela.

Um grande problema global se agrava

Os problemas gerados pelo descarte incorreto de EPI chegaram em um momento complicado no movimento para reduzir os resíduos plásticos. A quantidade de lixo plástico que se acumula nos oceanos deve triplicar nos próximos 20 anos e não há uma solução real no horizonte. Mesmo que todos os compromissos corporativos de utilizar mais plásticos reciclados fossem mantidos, a mudança reduziria essa projeção de triplicação em apenas 7%.

A pandemia também ocasionou um aumento na produção de embalagens descartáveis, pois os consumidores passaram a comprar mais comida para viagem e as proibições de plásticos descartáveis, incluindo sacolas de compras, foram suspensas devido ao temor de que os retornáveis espalhassem o vírus. Ao mesmo tempo, em parte devido aos cortes nos orçamentos municipais que estão sem recursos, um terço das empresas de reciclagem nos Estados Unidos foram fechadas parcial ou totalmente.

O QUE PODEMOS FAZER

Não jogar lixo no chão — inclusive EPI.

Usar máscaras de tecido reutilizáveis, quando possível.

Embalar o EPI usado em um saco plástico, fechá-lo e jogá-lo na lixeira.

Avaliando a propagação

À medida que as máscaras e luvas descartadas começaram a aparecer cada vez, a Ocean Conservancy, organização sem fins lucrativos que defende a proteção do oceano, começou a avaliar no meio do ano passado a disseminação de dejetos de EPI em todo o mundo. A organização adicionou o EPI ao seu aplicativo de celular que permite que voluntários documentem itens jogados fora e os incluam no site da organização. Em uma pesquisa global de voluntários que participaram de limpezas em praias em meados de 2020,  foram documentados mais de 107 mil itens de EPIs jogados fora, embora os líderes do grupo tenham concluído que o número provavelmente está “bastante subestimado”.

Os próprios voluntários podem proporcionar uma estimativa melhor; 94% relataram ver regularmente máscaras, luvas e outros EPIs descartados incorretamente em suas comunidades, enquanto a metade declarou ver EPIs jogados no chão todos os dias. Já 40% relataram ter visto EPIs jogados em riachos, rios e oceanos.

“É um grande problema; não há como esconder”, afirma Mallos. “Mas lembrem-se, isso se soma à crise global existente de lixo plástico. É uma questão de saúde pública e também de saúde dos oceanos.”

O grupo pressionou para que haja a eliminação progressiva de embalagens plásticas redundantes e desnecessárias e, desde o início da pandemia, por melhorias nas embalagens de alimentos para viagem, substituindo-as por outros materiais, como papelão, que não têm o mesmo impacto que as embalagens plásticas quando descartadas.

O que pode ser feito? 

Poucos dias depois de a pandemia ser declarada, em março passado, Justine Ammendolia, pesquisadora marinha que mora em Toronto e bolsista da National Geographic Society, notou máscaras e luvas descartadas em quantidades cada vez maiores enquanto fazia suas caminhadas diárias. Ela também percebeu a falta de um monitoramento estruturado de EPIs por parte de qualquer órgão governamental ou de outra organização conforme eles se alastram pela cidade.

Para identificar pontos críticos, a própria Ammendolia documentou máscaras, luvas e lenços umedecidos descartados em seis locais, incluindo dois estacionamentos de supermercados, uma região hospitalar, duas áreas residenciais e uma trilha recreativa. Ela registrou mais de 1,3 mil itens em cinco semanas no meio do ano passado. Não surpreendentemente, os estacionamentos de supermercados ficaram em primeiro lugar, seguidos pela região hospitalar.

“Não é a maior quantidade de plástico do mundo”, afirma ela, “mas, a questão é que vamos mudar depois dessa situação, assim como nossa relação com os produtos descartáveis. Isso chama a atenção para a quantidade de resíduos produzidos. Esse é o ponto de partida da conversa.”