sexta-feira, 19 abril, 2024 01:03

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As consequências da Covid-19 para a Economia Mundial

A pandemia gerou uma crise económica sem precedentes num curto espaço de tempo. Os impactos de longo prazo vão depender de quão rapidamente o novo coronavírus vai ser vencido.

Parece que foi ontem que economistas, políticos, jornalistas e analistas classificavam temas como o ‘Brexit’ ou o conflito comercial entre os Estados Unidos da América e a China como potencialmente letais para a economia mundial. Entretanto, tais preocupações perderam sentido face à situação atual.

Quando as autoridades de saúde da cidade chinesa de Wuhan notificaram um conjunto de casos de pneumonia de causa desconhecida a 31 de dezembro do ano passado, teria sido necessário um grau sobrenatural de previsão económica para imaginar a chacina que essa “causa desconhecida” infligiria à economia global.

Acontecimentos que seriam considerados impossíveis há pouco mais de algumas semanas tornaram-se realidade. Tudo por causa da pandemia da Covid-19.

As bolsas mundiais caíram cerca de 30% desde o início do ano na maioria dos países mais ricos do mundo. O número de americanos que pediram subsídio de desemprego pela primeira vez subiu para quase sete milhões, um recorde por duas semanas consecutivas.

Resultados económicos negativos

A China apresentou números extremamente negativos para o mês de fevereiro. Algumas projeções sugerem que o Produto Interno Bruto (PIB) chinês vai ter uma queda de 10% no primeiro trimestre.

Não é só nas grandes potências industriais onde o impacto se sente mais. A Irlanda, uma economia aberta com uma fraca base de produção, é especialmente vulnerável a choques globais.

No início de janeiro, a Irlanda apresentava uma taxa de desemprego de 4,8%, a menor em 13 anos. Até ao final de março, estima-se que essa taxa tenha subido para 17% depois de trabalhadores de restaurantes e bares, entre outras empresas, terem sido dispensados.

Metade do dinheiro do mundo

Embora este cenário de incerteza e de paralisações económicas – os chamados ‘shutdowns’ – possa piorar, haverá já ingredientes suficientes para falarmos numa recessão global?

Sem dúvida, apesar de ainda termos de esperar até à divulgação dos números oficiais do primeiro trimestre. A questão é se isso levará a uma grande depressão, pior do que a crise financeira de 2009.

“A proporção da economia global paralisada neste momento ronda provavelmente os 50% do PIB mundial, e isso não inclui a China, que, de uma forma geral, está de fora das atuais paralisações”, avalia Ben May, economista da Oxford Economics, empresa de previsão e análise económica.

Advertindo que apresentar números desse tipo é “mais arte do que ciência”, May considera, ainda assim, que a cifra dá uma ideia da escala do problema que as paralisações prolongadas estão a provocar na economia global.

Crise financeira pode ser evitada

Não é preciso ser um génio para perceber o impacto que as paralisações econômicas e as várias restrições sociais impostas pelos governos de todo o mundo terá a curto prazo. Os dados da China são um bom indicador do que virá a seguir.

Quanto mais as paralisações durarem, mais danos serão causados. Mas ninguém sabe exatamente durante quanto tempo as medidas continuarão em vigor. “Todos os que dizem que sabem quanto tempo as medidas de distanciamento social vão durar, claramente não têm ideia”, diz o analista da Oxford Economics.

Um dos principais riscos das paralisações prolongadas é que aconteça uma crise do crédito, como em 2009.

May acredita que este cenário é improvável, em parte devido à ação rápida e decisiva dos governos e bancos centrais de todo o mundo. Entre as medidas implementadas está a concessão de garantias de empréstimos, maior liquidez, acesso mais fácil ao crédito para empresas, além de outras ações para proteger empresas e trabalhadores.

Os bancos, considerados os principais culpados pela crise financeira de 2009, são agora vistos, ironicamente, como possíveis salvadores, com os governos a pedirem que garantam que o dinheiro chega às empresas e aos consumidores, assegurando a sua sobrevivência até que a situação melhore.

Quando voltaremos à normalidade?

Isto leva-nos de volta à questão das paralisações económicas e quanto tempo vão durar. Olhando para o exemplo da China, May mostra-se razoavelmente otimista. O economista acredita que vão terminar mais cedo do que muitos esperam.

“Os impactos do confinamento na China foram enormes, mas a boa notícia é que, quando as medidas restritivas foram suspensas ou pelo menos abrandadas, vimos uma convergência para o que poderia ser considerado um nível mais normal de atividade económica”, sublinha Ben May.

O economista acredita que, mais realista do que uma extensão do período de confinamento por três ou quatro meses, seria uma cenário em que, à medida em que o surto é controlado, as restrições serão pouco a pouco suspensas, permitindo lentamente um regresso à normalidade.

Outros analistas são ainda mais otimistas. “O nosso cenário principal é que a atividade económica começará a recuperar no segundo semestre de 2020 e, dado o grande estímulo às políticas fiscal e monetária em curso, a economia global terá condições muito favoráveis para acelerar novamente quando o surto do vírus desaparecer”, afirmou recentemente o principal estratega do Danske Bank, Henrik Drusebjerg.

Um mundo menor?

A crença de que haverá um “boom” económico pós-coronavírus é compartilhada por muitos, embora ninguém saiba dizer quando e a que custo.

O número de casos confirmados da Covid-19 em todo o mundo ultrapassou esta semana um milhão, segundo o levantamento da Universidade Johns Hopkins, nos EUA.

Mas há também uma corrente com uma visão mais sombria sobre como a ordem económica mundial se poderá reconfigurar depois de a crise passar, explica Ben May.

Antes de o novo coronavírus assolar o mundo, situações como a guerra comercial EUA-China ou um ‘Brexit’ sem acordo eram vistas como graves ameaças à economia mundial. May diz que há a possibilidade de, se a crise atual passar, os governantes se afastarem de estratégias arriscadas.

No entanto, o economista acredita igualmente num comportamento ainda mais protecionista, face aos problemas gerados pela pandemia.

“Pode ser uma estratégia plausível dizer que precisamos de garantir que não vamos ter essas enormes cadeias de abastecimento espalhadas pelo mundo, que precisaremos de fazer as coisas em casa”, diz. “E isso é algo que interessaria à narrativa de Trump [Donald Trump, Presidente dos EUA] e do Brexit.”